Memórias Paroquiais de 1758 - Descrição das terras de Covas do Barroso

IAN/TT Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso, vol. 12, mem. 438 - fl. 3001

Discrissam da terra, serras e rios deste lugar e freguezia de Santa Maria de Covas do Barroso

Bento de Moura Comissário do Santo offício, Abbade da parochial igreja Santa Maria de Covas do Barrozo, comarca de Chaves, Arcebispado de Braga Primaz das Hespanhas. Certifico e digo em resposta aos interrogatórios que recebi por ordem do Ilustríssimo Abade Senhor Doutor Vigário Geral da dita comarca.

Ao primeiro este lugar de Covas hé termo do concelho da villa de Monte alegre da comarca e ouvidoria de Bragança pólo secular, e província de Trás os Montes pelo eclesiástico hé da comarca de Chaves, Arcebispado de Braga Primaz he cabeça da freguezia de Santa Maria de Covas do Barroso.

Ao segundo hé este lugar e freguezia como todo termo e concelho da jurisdiçam da Sereníssima Caza de Bragança, que nelle poem todas as justiças, e tem nesta freguezia muitos foros e cazas.

Ao 3º tem este lugar de Covas noventa e seis vizinhos com o arrabalde de Romainho que fica apartado meio quarto de légoa pouco mais ou menos, e tem quatrocentas e trinta pessoas de sete anos para cima.

Ao 4º está este lugar de Covas situado em hum vale piqueno cercado de montes àsperos com muitas pedras e de dentro delle senão descobre povoaçam alguma.


Ao 5º não tem este lugar seu antes elle o hé da villa de Montealegre.

Ao 6º a paróchia está fora do lugar mas não muito longe de alguns vizinhos, e tem a freguezia além do dito lugar de Covas os seguintes: o lugar de Campos que dista da paróchia meia légoa, e tem vinte e oito vizinhos com cento e trinta pessoas; o lugar de Viveiro que tem cincoenta vizinhos com duzentas e trinta e seis pessoas, e dista da paróchia três quartos de légoa; o lugar de Bustofrio que dista da paróchia meia légoa consta de vinte e cinco vezinhos com cento e dezoito pessoas; o lugar de Agrellos com quatorze vizinhos e setenta e sete pessoas, e vem a ter toda a freguezia duzentos e trinta vizinhos, com novecentas e noventa e huma pessoas todas de sete annos para cima.

Ao 7º o orago hé Santa Maria de Covas de Barrozo, tem cinco altares: o altar maior onde está colocado o sacrário do Santíssimo Sacramento, e a Senhora padroeira, Sam Luís, Sam Caetano, Santo Antão, Sam João Evangelista, Santa Anna, e Santa Maria Magdalena; no corpo da igreja está da parte do Evangelho o altar da Senhora do Rosário e o altar do Minino Deos, e da outra parte o altar de Sam Sebastião, e o altar das Almas. A Igreja não hé de naves, a capella maior hé de abóboda de pedra, que representa ser muito antiga; no corpo da igreja está huma sepultura levantada e metida com hum arco na parede de costan da parte do sul que hé hum caixam de pedra posto in cima de dois liões de pedra, e por cima tapado com huma pedra que tem em vulto a figura do homem que nella se sepultou e defronte hum epitáfio gravado em huma pedra de letras góticas en vulto e levantados que dizem: Aqui jaz Affonso Annes Barrosso o qual foi muito honrado escudeiro do Duque de Bragança filho de El rei D. Joam e finou-se no anno do Senhor [MCCCC : IX] ano que segundo o que me parece sam mil L : IX e quatrocentos e nove annos; presume-se que este homem viera para esta terra com muito dinheiro a fazer prazos que hoje sam da Sereníssima Caza de Bragança e fizera capella para sua sepultura e depois a dera para a paróchia; sabe Deos se assim foi!

Ao 8º o títolo do párocho desta freguezia hé Abbade da Aprezentaçam da Sereníssima Caza; e como dosfrutos desta Abbadia se tirou a terça parte para a capella dos Reaes Paços de Villa Viçosa, e as quartas nonas para a Santa Basílica Patriarcal, segundo as partilhas que lhe fazem lhe ficaram para o Abbade cento e oitenta the duzentos mil reis em frutos pouco mais ou menos.

Ao nono nam tem beneficiados, e somente o Abbade apresenta o Vigário da freguesia de Santa Maria Magdalena das Alturas suas anexa, e dista daqui huma légoa grande.

Ao décimo não tem esta freguesia convento algum.

Ao 11 não tem hospital, nem caza da misiricórdia.

Ao 13 tem esta freguezia as ermidas ou capellas seguintes: neste lugar de Covas, a de Santo António que está dentro do lugar em que está sita a irmandade das Almas por cuja despesa corre a fábrica della; no Arrabalde de Romainho está a ermida de Nossa Senhora do Desterro pouco apartada das casas daqueles vizinhos, e as mais das vezes della se administra o sagrado viático; no lugar de Campos há a ermida de Santo Amaro hum tiro de bala fora do lugar pertence aos moradores que a fabricam; no lugar de Agrellos a ermida de Sam Mamede que fica quasi no meio das casas, e também pertence aos vizinhos; no de Bustofrio a de Sam Marçal junto às cazas dos moradores a quem pertence pela fabricarem; no de Viveiro a de Santa Bárbara, fora das cazeas mas junto a elas, que também pertence aos moradores pela razão dita.

Há mais outra ermida dentro do limite do lugar de Viveiro apartada della meio quarto de legoa grande, em hum monte no meio de hum cazal da Sereníssima Caza da invocaçam do Senhor Salvador da Mundo, e parece foi algum tempo freguezia porque na parede della e pelo adro e fora delle há ainda hoje algumas sepulturas feitas em pedras e lages à medida e feitio dos corpos; esteve algum tempo quasi arruinada e depois se reformou com as esmolas dos fiéis.

Ao 14 a nenhuma das referidas ermidas acode romagem de fora da freguezia excepto algumas pessoas que vem às festas que nelles se fazem no dia da invocaçam dos santos padroeiros dellas em cada anno somente à do Senhor Salvador do Mundo vem muita gente de várias partes, com porcos, bois e vacas quando lhe adoecem de algum contágio, ou lhes mordem alguns canis danados, e nella se fazem em cada anno duas festas que constam de missa cantada e sermão, e às vezes gaita de folle; huma a seis de Agosto por conta dos moradores de Viveiro que hé a principal a principal, e outra na primeira terça feira depois da Dominga da ressurreição de Cristo, a ambas acode bastante gente de romaria e trazem suas esmolas de centeio, linho e orelhas de porco, de cujo producto se faz esta festa, e se fabrica a capella. Alguns mandam cantar suas missas, e nestes dias vem bastantes tendeiros com suas tendas, paneleiros de Chaves com louça e outros com cebolas e outros com pam, vinho e frutos e também no dia da Ascençam se junta bastante gente com clamores, que também alguns annos vem nos outros dois dias acima referidos.

Aos 15 os frutos que se colhem neste lugar de Covas hé milho grosso e algum centeio e algum milho pequeno, vinho de árvores a que chamão de enforcado bastante verde; em Agrellos e Bustofrio centeio com algum milho grosso e miúdo, e já vem colhendo algum vinho de enforcado verdíssimo; em Campos e Viveiro centeio e pouco milho.

Aos 16 nos lugares desta freguezia somente há juízes pedaneos, e quadrilheiros e no mais estam sobjeitos às justiças da villa de montealegre, que [tem] juiz de fora posto pela junta da Sereníssima Caza e camara feita pela mesma.

Ao 17º não hé couto nem cabeça de concelho, nem honra; não consta que destes lugares sahissem homens insignes em virtudes, letras ou armas.

Ao 19º não tem feira franca nem captiva; não tem correio e se servem do de Chaves, Braga e alguns do de Basto.

Ao 21 dista desta freguesia da cidade de Braga, capital do Arcebispado dez légoas; da cidade de Lisboa, capital do Reino setenta e huma pouco mais ou menos.

Ao 22º esta freguesia como toda a comarca da Ouvidoria de Bragança logra os privilégios de vassalos da Sereníssima Caza, e nem podem ser demandados fora do seu juízo sem provizam concedida por sua Magestade como administrador do Ducado, tem mais alguns moradores que possuem cazais os privilégios de reguengueiros, e além destes tem outros moradores os privilégios do tabaco, bullas, captivos, e Santo António e além destes os que possuem cazais fichados da mesma Sereníssima Caza tem privilégios tais que dentro delles senão podem prender criminosos segundo o que tenho ouvido dizer, mas neste concelho não há destes, não há outro privilégio nem antiguidade digno de memória.

Ao 23º não há nesta terra nem perto della fonte ou lagoa alguma célebre; não há porto de mar, nem terra murada, nem perto della há castello, ou torre algua antiga; não padeceo ruína alguma no terremoto de 1755 bendito seja Deos, nem me consta de outra cousa alguma digna de memória.


A respeito das serras

Há huma piquena serra entre este lugar de Covas e a freguesia do Salvador de Canedo, chamada Pinheiro, pouco conhecida ao longe. O termo destas duas freguesias se devide pelo alto della, principia no sítio de Mestras e vai continuando por entre este lugar de Covas e seu lemite e a freguesia de Canedo, e vai findar entre o lugar de Carvalho freguesia de Nossa Senhora de Villar de Porro, e o lugar de Viveiro desta freguesia.

Terá de comprido legoa e meio pouco mais ou menos e de largura onde hé mais alta que chamão o Coto da [Gallas] do rio Beça thé o rio de Covas três quartos de legoa e dahi vai baixando thé o marco da Lijó donde torna a subir para outro alto que chamão Lesenhos que fica entre o lugar de Campos desta freguesia, e o lugar de Penna Longa da freguesia de Canedo, e o dito Lesenhos foi castelo de mouros, e tinha duas ordens de muros.

Não nasce da dita serra rio algum, não há nella villa ou lugar algum da parte desta freguesia; não tem fontes de raras propriedades; não há nella minas de metais que se saiba, nem canteiras de pedras finas, nem de outras matérias somente pedras duras e grosseiras de gran que só servem para alvenarias. Produz matos a que chamam urzes e alguns hervidos sam pastados dos gados deste lugar de Covas e dos da de freguesia de Canedo, e alguma parte della se cultiva para centeio e algum milho e contem em si alguns soutos de castanheiros e hé mais abundante de colmeas.

Não tem igreja nem mosteiros somente por baixo do sítio de Lesenhos está huma ermida de Santa Anna milagrosa, onde vam pedir chuva ou sol. Pertence o lugar de Penna Longa freguesia de Canedo;

O temperamento della hé bastantemente frio em todo o tempo eicepto no Estio. Aparecem nella bastantes lobos, algumas vezes lhe fazem montarias ainda que não tem fojo, e alguns porcos bravos, e poucos gamos, e algumas perdizes e coelhos, e não tem couza alguma mais digna de memória.


Enquanto aos Rios

Da freguesia do Couto, corre para o limite deste lugar hum rio chamado do Couto por passar pela freguesia de Sam Pedro, Couto da Mitra de Braga, e por baixo de Romião entra nelle o regato de Infestas que tem seru princípio no lugar de Vilarinho Seco freguesia de Santa Maria Magdalena das Alturas, e dahi vai correndo algum tanto arrebatado por montes e campos do dito lugar e do de Agrellos pela parte do poente e por elle abaixo há algumas árvores silvestres, e alguns castanheiros.

No Veram vai quasi seco e assim se junta no do Couto, e quasi no mesmo sítio se junta outro, que tem seu princípio entre o lugar das Alturas e Tilhó da mesma freguesia; e se vem juntando por Campos e montes dos ditos lugares, entre Vilarinho Seco e Viveiro por seus campos e montes thé o sítio de Mena onde tem ponte de pão com dois olhais e até aqui tem árvores silvestres moinhos, e hum pizam de burel e dahi para baixo corre arrebatado por entre montes e campos dos lugares de Agrelos e Busto frio desta freguesia onde tem huma ponte de pao estreita e dahi corre da mesma sorte thé se meter no dito rio do Couto por baixo do sítio de Romão. Em todo seu curso tem árvores silvestres e bastantes castanheiros, e moinhos de dois lugares.

E cria alguns peixes com sam trutas e algumas bogas que pescão livremente em todo o anno eicepto nos meses da criaçam os que tem redes e habilidade e assim juntos com a do Couto vem correndo arrebatadamente thé o sítio das misturas que dista deste lugar de Covas meio quarto de legoa onde se lhe junta o rio de Covas que tem sua origem no lugar de Lamachã freguesia de Santa Maria Magadalena de Negrões e vem correndo brandamente por montes e campos do lugar das Labradas e Tilhó thé o moinho do Picanço e dahi vem correndo por entre campos do lugar de Viveiro thé chegar a estrada que passa para Vilar de Porro onde tem uma ponte de pao, e dahi por entre campos do dito lugar de Viveiro e campos corre ligeiramente thé o sítio de Codessais entre Bustofrio e campos onde tem outra ponte de pao. E athé aqui tem árvores silvestres e moinhos dos ditos lugares, e dista de Covas the o sitio da ponte que hé de pedra lavrada de hum arco que estes moradores mandaram fazer distante do lugar num tiro de mosquete por sua serventia, e por elle abaixo há árvores silvestres, castanheiros e outras árvores de fruto, e moinhos e delle se tira uma levada muito boa de ágoa para regar as terras de milho, ortas, linhos, e mais necessário do lugar. E dahi muito arrebatado thé o dito sítio das misturas donde correm todos juntos, parte brando parte arrebatadamente por entre montes e a serra de pinheiro por espaços de huma legoa thé se meter no Becça no sítio dos Mestras, e assim o rio de Covas antes de se juntar com o que vem do Couto como depois cria bastantes trutas, bogas, barbos, enguias e escalos e muitas lontras. [entrelinhado: pescaria hé livre como acima].

Correm todos de norte a sul o chamado de Covas terá de cumprimento do seu nascimento thé às misturas cinco quarto de légoa o de Mena terá huma legoa thé baixo de Romião e athé este sítio mesmo terá de Infestas três quartos de legoa e deste sítio as misturas meia legoa todos levam pouca ágoa mas não secam de todo no Veram e por esta rezam nenhum delles hé navegavel. Alguns regatos há mais da parte do nascente deste lugar de Covas de pouca consideçam como hé o regato da Costella que tem princípio em Campos e se vai meter no rio onde se metem os mais no sítio das Lombellas, e cria seus escalos.

Não há couza alguma memorável que possa dizer e todo o referido vai na verdade pondo em tudo pouco mais ou menos e por assim ser, e me ser mandado o affirmo com juramento e vai asignada por mim e pelo Revendo Reito de Canedo e pelo Reverendo Vigário das Alturas, Santa Maria de Covas, Março 8 de 1758

O Abbade Bento de Moura
O párocho do Salvador de Canedo Bento Pereira
O Vigário de Santa Maria Madalena das Alturas João Dias de Moura


Referências documentais do Arquivo Distrital de Boticas/UM Tombo cx. 279, nº 11.

Retirado de:
CAPELA, José Viriato, BORRALHEIRO, Rogério [2001], Boticas nas Memórias Paroquiais de 1758 - Estudo Introdutório e fixação do texto das memórias, Câmara Municipal de Boticas - Depósito Legal 164496/01

Sem comentários: