Descrição de Barroso no Archivo Pittoresco (1862)

"BARROSO

Além do importante estudo pecuario de Barroso, feito pelo sr. Lima, distincto professor do instituto agrícola, de que démos conta a pag. 21 do numero 3, temos tambem uma boa memoria descriptiva d'aquelle paiz, feita pelo dr. Manuel Antonio de Moraes Mendonça, sumida no vol. III do Jornal de Coimbra, anno 1813, hoje mui raro.
D'essa quasi desconhecida memoria faremos alguns extractos para elucidação da nossa estampa.
O concelho de Montalegre tambem é conhecido por térra de Barroso. Ja no tempo dos reis D. Diniz, D. Affonso IV e D. Manuel, que deram foraes á villa de Montalegre, o concelho era denominado térra de Barroso. Está situado na provincia de Traz-os-Monles a 41 graus de latitude, e a 10 de longitude. Confina com o reino de Galliza pelo lado do norte, pelo nascente com o concelho de Chaves, e pelo sul e poente com o de Ruivães na provincia de Entre Douro e Minho. Em Montalegre havia d'antes uma bem construida fortificação, hoje arruinada. Não ha memoria authentica d'esta fortaleza: mas consta que fora reformada no reinado de D. Affonso IV, como se vê de uma inscripção que aínda subsiste n’uma das suas torres, por este modo: R. ALT. 4.° an. 1331. E outra do (tempo dos Filippes, que diz : Reformou o L.d° .Manoel Antunes. de Viana. Año 1580.

Теm о concelho, na sua maior largura, 6 legoas e meia, principiando a meio da serra do Pindo, onde fiuda o concelho de Chaves, até á ponte de Mirazella, e logar de Villa-nova de Cidros, onde parte com o concelho de Ruivães na direcção de nascente a poente. De comprimento tem Barroso, no máximo, quasi 7 legoas, principiando no alto da serra da Toninha, que divide o concelho do de Cabeceiras de Basto, até aos confins da raia de Galliza ua direccao de N. a S.
É atravessado todo este paiz pelas altas montanhas de S. Domingos de Morgade, e pela das Alturas, que formando successivos escalões, vãoo descendo pelo lado do occidente até Ruivães e faldas da notavel serranía do Gérez, e pelo lado oriental até aos ferteis campos de Chaves, e toda a margem do rio Tamega até ao concelho de Ribeira de Pina. Por entre estas montanhas ha vistosos campos, grandes prados, e muita agua dos regatos que dão ser a varios rios.
O mais notavel é o Cavado, que nasce nas faldas da serra de Larouco, e divide Barroso da Galliza por aquelle ponto; engrossa com os pequeños riachos que nascem nos montes e valles superiores e lateraes ao mesmo rio, e correndo na direcção de N. E. a S. 0. passa proximo a Montalegre, banhando parte do concelho até entrar na provincia do Minho e desembocar no Oceano,, entre Esposende e villa do Conde.
O Beça tem o segundo logar entre os rios que banham o territorio de Barroso: nasce dentro do concelho, entre as povoaçoes de Pedrorio e Sarraquinhos, e, juntando-se-lhe varios ribeiros, atravessa parte do concelho na direcção de N. a S. até desembocar no concelho de Cabeceiras de Basto.
O rio Terva banha todo o valle d'este nome, trazendo a sua origem acima do logar de Ardãos, termo de Chaves, desembocando tambem no Tamega.
O rio da villa da Ponte tambem é um dos que fertilisam parte de Barroso: tem origem acima do logar de Negöes; e descrevendo um quasi semicírculo, vae desembocar no rio Cavado, abaixo da ponte de Mizarella.
Todos estes rios abundan em famosos peixes, como escalos, bogas, enguias, e sobre tudo em trutas. Tem alli apparecido algumas que excedem a 4 kilogrammas.
O alto-Barroso estende-se por todos os logares e terrenos superiores ao baixo-Barroso; os seus limites podem-se marcar d'este modo: pela parte do norte na serra de Pitões, onde começa a do Gérez, e na de Larouco, situada a esnoroeste; pela parte do nascente nas serras do Pindo, Nogueira, Leirando, Boticas e Seixa; pelo lado do sul e poente no alto da serra de Toninha e Nogueira até ao logar de Paradella e serra da Ponteira, ficando interpoladas no meio de todas estas, as serras de Barreiros, Avellar, 8. Domingos de Morgade, e Alturas de Barroso, assim chamadas porque ficam no logar mais elevado d'este paiz.
Todo o alto-Barroso, que na direcção de N. a S. tem 7 legoas de comprido, e na de Or. a Occ. 3 a 4 de largura, é sujeito a um frio violento, e o inverno ahi tão continuado, que as geadas começam no principio de outubro, augmentando gradualmente, e só diminuem no mez de maio; os regatos gelam nos tres mezes do inverno, e n'este tempo as neves chegam a impedir o transito dos habitantes, que por muitos dias ficam privados de ver a face da terra. O frio chega algumas vezes a 3 graus abaixo de zero. Estes rigores, com quanto causem suas incommodidades, nao deixam de ter algumas vantagens, porque, a constancia do frio no alto Barroso, faz com que elle seja menos sujeito as intempéries que reinam, ordinariamente, nos paizes calidos; e tanto assim que seus habitantes são robustos, sadios, e de longa vida.
O baixo-Barroso comprehende todas as terras e povoações que estão menos sujeitas ao rigor dos gelos, a saber: o valle chamado Villar de Perdizes, e as povoações inferiores á serra de Larouco; o valle de Sapiaos e povoações subjacentes à serra do Pindo, Nogueira e Leirando; todo o valle por onde passa o rio Terra, inferior a serra de Boticas; o valle de Covas, abaixo da eminencia do Locanho, no cume da qual se acharam no seculo passado as duas estatuas que ladeiam a porta de entrada para o jardim botânico d'Ajuda; o valle de Cañedo inferior à serra de Santa Comba; toda a margem do rio Tamega e logares próximos: e finalmente todas as povoações que ha desde o logar de Paradella até á ponte de Mizarella, entrando tambem os logares que estâo nas abas da serra do Gérez.
Sobre a população de Barroso e causas que a diminuem, diz o auctor da memoria o seguinte:
Em todo o territorio de Barroso se nota, que desde setembro até marco emigram, annualmente, mais de 400 homens, que vão occupar-se no Alemtejo, e outras provincias do reino, na feitoria do azeite. Pode asseverar-se que não ha um só homem de 14 annos para cima que nao tenha saido fóra do concelho em procura de trabalho.
Egualmente se nota que muitos paes mandam seus filhos e parentes para o Brasil, com a ambição de adquirirem fóra da patria o que n'ella poderiam achar, trabalhando com a assiduidade a que os òbrigam nas estranhas: tendo muitas vezes por fructo das suas viagens e fadigas mais ruina que proveito, além de ficarem as suas casas e bens sem cultores, entregues a velhos e mulheres, que não podendo cuidar bem da lavoira, a atrazam e arruinam), o que não aconteceria se seus filhos e parentes vigiassem de perto o que lhes pertence.
Os habitantes de Barroso, geralmente fallando, são pouco civilisados, e ao que naturalmente é obstinado custa muito fazer-lhe deixar seus antigos usos, que seguem machinalmente, a exemplo de seus visinhos, e antepassados. Como são bem constituidos, e nascidos em um clima áspero, acham seus prazeres em tudo o que pode agital-os, e por seus espiritos em movimento, como é a caça, as viagens, o vinho, etc.
Fácilmente perdoam as injurias que se Ihes fazem, tem poucos estímulos, porque a natureza os dotou de imaginação pouco viva; são soffredores de trabalhos, amantes da sua patria, e tanto, que tendo alguns sido bem favorecidos da fortuna em terras estranhas, e paizes remotos, vem acabar seus dias nos logares onde nasceram, sem que se lembrem do pretérito, cogitando somente em desfructarem os seus cabedaes apartados da sociedade, e até muitas vezes esquecidos de seus proprios visinhos.
Para outro numero, e á vista de desenhos que ja possuimos de täo singular paiz, continuaremos a narrativa das suas peculiares condições, e dos costumes de seus habitantes."

(pág. 38-39)


"Barroso

Segundo promettemos a pag. 39 do n.5, continuâmos hoje a extractar a memoria que o dr. Mendonla escreveu sobre a terra e gente de Barroso, para que se confira o seu estado actual, á vista do que aqui mesmo dissemos, com a narrativa feita há meio século pelo referido magistrado.
Póde-se dizer que a descripção é de hoje. Tal tem sido o estacionamento d’aquelle tão singular paiz, e de seus incultos habitantes.
«Tanto o alto como o baixo Barroso, pelas muitas encostas que tem, e aguas que o cruzam por todos os lados, contém em si muitos lameiros e lamas publicas, que, pelo sustento que em pastagens e fenos dão aos gados, formam uma parte do concelho.
Podiam ser, a meu ver, estes lameiros ainda mais úteis, se os lavradores os semeassem com sementes de hervas bem nutritivas, vindas de outros paizes; mas eles não o fazem. A terra produz as hervas e vegetaes que a natureza faz espontaneamente nascer, e essas mesmas hervas e vegetaes se reproduzem sem melhoramento; mas não são da melhor qualidade, e por isso o gado vaccum não é tão vigoroso e abundante de leites. Deveriam pois todos os proprietários de lameiros ser obrigados a semear melhores sementes, mandando-se-lhes ministrar pelas auctoridades constituídas, e dando-se-lhes as normas necessárias.
Abunda o Barroso em grandes mattas de carvalhos e outras arvores bastante espessas; mas estas, pelo seu grande consumo, incêndio, irregularidade nos cortes, e outros motivos similhantes, em breves tempos diminuirão. Já se nota esta falta no concelho visinho de Chaves; n’esta praça há grande consumo de lenhas para os particulares, para as fabricas de loiça e telha, para os fornos da tropa, hospitaes militares, etc., já ahi não há lenhas, e a vem buscar a Barroso. É mais para sentir que se não execute também n’esta província o determinado na providente lei de 27 de Novembro de 1804, sobre o corte regular dos bosques, e outras sabias providencias do governo.
Nas ribeiras do baixo barroso há sítios tão amenos, que em tudo são similhantes aos do Minho e Beira: a cultura das oliveiras seria de grande vantagem, e, se os lavradores as tivessem plantado, podiam não só colher azeite para si, mas até para consumo de todos os habitantes do concelho. Por toda a extesão da ribeira chamada de Terva, a maior parte das propriedades podiam estar cercadas de oliveiras: mas na extensão de duas ou mais legoas apenas se encontram meia dúzia d’ellas. Em todos os logares que ficam nas covas próximas á serra do Gerez podia haver muitas mais do que há; grande parte de terreno próprio para isso se vê cheio de matti. É de admirar que homens costumados, todos os annos, a air fazer azeite por todas as serras do reino, se não tenham estimulado, e não hajam cuidado no que lhes interessa; mas os seus prejuízos, e o viverem segundo os costumes de seus antepassados, obstam a tudo isto, como também o não lhes serem concedidos muitos terrenos com obrigação de fazeres taes plantações.
Toda a colheita e producção do alto e baixo Barroso, em trigo, milho e centeio, anda annualmente, segundo as informações mais verídicas que tenho tomado, por 346:200 alqueires; quantidade que não chega para o consumo ordinário, pois sendo o numero de habitantes de ambos os sexos e de todas as edades 17:581, e dando a cada um d’elles 25 alqueires annualmente, vem ainda a faltar 93:323 alqueires; o que não aconteceria se fossem concedidos ás pessoas mais necessitadas, os muitos terrenos incultos que ainda há por quasi todos os termos das povoações. De certo por todos elles podia o total da colheita augmentar metade, e então os habitantes poderiam exportar 79:775 alqueires.
As producções do alto Barroso são centeio, batatas, nabos e mattas; as do baixo Barroso, além das referidas, são milho, vinho, legumes, castanhas, algum azeite, e outros fructos que pessoas curiosas tem começado a semear, como é trigo, cevada, milho painço; e há logares tão abrigados e amparados, por todos os lados, de serras que lhes ficam sobranceiras, em que limões e laranjas se criam com perfeição.
Um objecto digno de toda a tenção do governo é a manipulação dos queijos e manteiga do leite das vaccas de Barroso. Os lavradores não fazem uma nem outra coisas com a perfeição, consistência e duração com que vemos as manteigas e queijos que formam um ramo de commercio considerável na Hollanda, Irlanda e Holstein. Os nossos fazem a manteiga e o queijo doce, sujeitos por isso a corromperem-se em pouco tempo, incapazes de se transportares para partes remotas, inconvenientes que desappareceriam se elles fossem instruídos no modo de se fazerem, mandando-lhes executar as normas que se lhes ministrassem com regras seguras, bem reflectidas, bem fundadas na experiência, e convenientes ao clima e terreno. Elles fazem a manteiga e o queijo segundo a primeira receita que alcançaram, ou por arbítrio, ou por experiência; e n’uma e outra coisa imitam pouco os queijos da serra da Estrella e Alemtejo; póde até dizer-se, seguramente, que lhes falta muito para terem esse grau de perfeição.
Os habitantes de Barroso, geralmente fallando, são pouco civilisados, e ao que naturalmente é obstinado custa muito fazer-lhe deixar seus antigos usos, que seguem machinalmente, a exemplo de seus visinhos, e antepassados. Como são bem constituidos, e nascidos em um clima áspero, acham seus prazeres em tudo o que possa agital-os, ou pôr-lhes o espirito em movimento, como é a caça, as viagens, o vinho, etc.
Fácilmente perdoam as injurias que se Ihes fazem, tem poucos estímulos, porque a natureza os dotou de imaginação pouco viva; são soffredores de trabalhos, amantes da sua patria, e tanto, que tendo alguns sido bem favorecidos da fortuna em terras estranhas, e paizes remotos, vem acabar seus dias nos logares onde nasceram, sem que se lembrem do pretérito, cogitando somente em desfructarem os seus cabedaes apartados da sociedade, e até muitas vezes esquecidos de seus proprios visinhos.
Bem se conhece, pelo que fica exposto, que o povo de Barroso necessita ser civilisado; os seus costumes se farão mais doces; serão mais fáceis de governar; a industria, mãe das bellas artes, das sciencias, das artes mechanicas e do commercio os fará felizes."

(pág. 52-53)



Do Livro: Archivo Pittoresco - Semanario Illustrado Vol V – 1862, Editores Proprietarios, Castro Irmão e Companhia. (PDF 53 MB)

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