Personagens de Covas do Barroso na obra de Camilo Castelo Branco: Carlota Ângela

"A filha unica de Norberto de Meirelles e D. Rosalia Sampayo chamava-se Carlota Angela, e tinha dezesete annos, em 1806.
Não era formosa; mas exquisitamente engraçada sim.
Norberto, filho de lavradores transmontanos, era campezino, rustico, e desageitado; Rosalia, com quanto procedente de progenie já cidadã desde seu avô, havia muito ainda que desbastar, e quatro gerações não tinham adelgaçado nada a raça originaria de Covas de Barroso.
Ora, a vergontea de troncos ou cepos taes não podia sair de compleição tão fina e delicada, como se usa liberalmente com as heroinas dos romances.


As feições de Carlota eram sêccas e trigueiras; mas a magreza não era de debilidade ou doença. O ligeiro toque de escarlate nas faces era a transparencia de sangue rico de toda a seiva dos dezesete annos. Tinha uma bonita fronte, e abundantes cabellos pretos, que ella enfeitava sem esmêro, mas com desalinhada graça, conservando-os, até essa idade, em tres tranças, que um laço de setim encarnado prendia na cintura em duas roscas. Á custa de importantes admoestações da mãe, Carlota reformou o penteado, em conformidade com a moda, que era ennastrar trancinhas de cabellos em dois grandes corações que ladeavam a cabeça, desde o vértice até ás orelhas, com matiz de lacinhos de varias côres: bonita cousa, antes da restauração das troixas contemporaneas, restauração, digo, porque as malas, no cucuruto da cabeça, começavam a decair do gosto em 1806."

Camilo Castelo Branco, Carlota Angela (Project Gutenberg)

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